Com o avanço da tecnologia na saúde, o parto foi cada vez mais sendo hospitalizado. Em consequência, o Brasil mergulhou em uma epidemia de cesáreas eletivas. Cerca de 55,5% dos nascimentos no País, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) ocorrem por meio cirúrgico, quando o recomendado é uma taxa de 15%. Essa cultura encheu de mitos o parto natural, enviesando a escolha feminina sobre a via de parto.
“Na nossa cultura foram sendo construídas imagens de dificuldade, de que a mulher não consegue parir e que precisa de alguém para fazer isso por ela. Os bebês no Brasil não têm muita chance de ‘acontecerem’”, explica a professora de saúde coletiva da Universidade de Brasília (UNB) e presidente da Rede pela Humanização do Parto e Nascimento (ReHuNa), Daphne Rattner. Essa cultura permitiu que, ao longo de décadas, intervenções fossem institucionalizadas e aplicadas nos procedimentos de parto. Contudo, nos últimos 30 anos, estudos estão provando que a maior parte delas não é amparada por evidência científica e que a melhor forma de um bebê chegar ao mundo, para a saúde dele e da mãe, é o parto natural.
Uma série de práticas sem necessidade era recomendada como rotina no parto, inclusive durante a formação dos profissionais de saúde. Uma delas é a introdução de água no ânus para realizar uma lavagem intestinal, conhecida como enema. Outra é a tricotomia, a retirada de pelos no local onde será realizada a cirurgia. “Outras questões, como colocar um soro na mulher, para deixar a veia já ‘pega’ em caso de necessidade, ou usar ocitocina sintética para apressar o trabalho de parto, também eram muito comuns”, afirma Daphne Rattner. Nessa conta, entra ainda a polêmica episiotomia, o corte no períneo com o objetivo de aumentar a abertura vaginal. “Também já não se recomenda deixar a mulher em jejum. O trabalho de parto é um trabalho, a mulher precisa de energia. É importante que ela possa comer e beber alguma coisa”, acrescenta Daphne Rattner.
Esperada pela mulher que terá filhos durante toda a vida, a dor faz parte do trabalho de parto natural, mas pode ser intensificada pela maneira como é conduzida essa experiência. Fisiologicamente, o corpo produz ocitocina no momento do trabalho de parto, aumentando a força e a intensidade da contração. “Mas o corpo também produz endorfina, que tira a dor e dá uma sensação de euforia. Dessa forma, a mulher consegue dar conta até o fim do trabalho de parto”, ressalta Daphne Rattner. A dor surge na ativação do sistema nervoso que, por sua vez, diminui a circulação sanguínea no útero.
Embora seja sensorial, a percepção da dor pode ser aumentada pela ansiedade e pelo medo. Assim como pelo uso de medicamentos para acelerar o trabalho de parto. “Quando você coloca ocitocina artificial no sangue da mulher, a dose é maior do que a endorfina que o corpo consegue fabricar. Aumenta a força da contração, a intensidade, mas a mulher não consegue responder à neutralização da dor. O parto tende a ficar muito mais dolorido. Isso pode levar até ao sofrimento fetal”, ressalta Daphne Rattner.
Na contramão das práticas que não são mais recomendadas, há outras que passaram a ser incentivadas como benéficas ao parto. Uma delas é a presença de um acompanhante, de escolha da mulher, na sala de parto. “Já há evidências científicas de que isso reduz os pedidos de analgesia, diminui a quantidade de cesáreas e de tempo de trabalho de parto”, explica Daphne Rattner. A presença de acompanhante no parto é respaldada na lei federal 11.108/05. Para uma experiência positiva de parto, existem ainda as doulas – outras mulheres que ajudarão a grávida a compreender o processo de nascimento do bebê e usarão métodos não farmacológicos de redução das dores no parto. “O importante é respeitar as expectativas da mulher e incluí-la na discussão sobre o que será feito no corpo dela”, lembra Daphne Rattner.
A recomendação pelo parto normal não ocorre à toa. Estudos científicos elencam os benefícios tanto para a mulher quanto para a criança. “A primeira delas é a mãe poder exercer a competência natural de parir. Se não forem feitos procedimentos cirúrgicos, o corpo tem uma recuperação mais rápida, não há um corte que pode demorar cerca de 15 dias para cicatrizar. Ela não irá sofrer para sentar e amamentar. Outro dado é que a violência que a pessoa apresenta no futuro, às vezes, significa uma marca do nascimento”, aponta Daphne Rattner. A colonização com as bactérias da mãe protegem o bebê, a longo prazo, contra hipertensão, diabetes e obesidade. “O parto vaginal tem efeito a curto, médio e longo prazo na vida da criança. O bebê que sai pela via vaginal e faz contato pele a pele com a mãe se coloniza com as bactérias dela. Sabe aquele ditado ‘a primeira impressão é a que fica?’, pronto. Se o parto ocorre sem violência, o bebê também chegará ao mundo com uma boa impressão dele”, conclui Daphne Rattner.